sábado, outubro 22, 2005
O colecionador de sonhos (segundo império)

Dia 9 do primeiro tempo após a consumação dos seres humanos


Carta a primeira que povoa a terra estéril (aquela que deslumbra a decomposição do insensato),

Seu corpo está desconfortável nesta posição. Assim está melhor? A terra batida pode ser traiçoeira em alguns pontos. Não agradeça com este sorriso, apenas fiz uma obrigação, não há porque continuarmos nesta ficção do mais do mesmo. Não muda de assunto, humana ingênua, pensa realmente que irei me deixar levar com isso? Você acha realmente que estou ficando velho? Não acredito.

Sorriso.

Não me lembro do último momento em que nos divertimos dessa forma. De qualquer jeito estar aqui é um risco a minha existência, assim como é pra você mesma. De fato, estamos aqui parados a olhar um para os detalhes do outro a algum tempo. O que eu vejo neste lugar?

Encontrei em você três outras que me surpreendem...

A primeira é sol, não combina com a melancolia desta terra, inverte os polos dos atos, investe em alegria sua essência. Eu a chamaria de Sakura. Esta é minha menina, não é doce mas torna os fatos assim, ao seu redor não existe penumbra, por isso tantos apresentam-se a sua luz, como cães a seus donos.

A segunda é espaço, a determinação em princí­pio, nada a detêm assim como ninguem pode tocá-la. Força em movimento e caos em sua lógica. A jovem Hitsuko é a construção do novo, a herança do ímpeto humano de modificar e criar, conquistar e ressurgir. Ela mantem seu corpo vivo, pois se as outras duas se encarregassem disso, não teriam disposição para cuidar de suas necessidades básicas e nem de expandir seu terreno conquistado.

A última é sua revolução, a destruição de tudo que se coloca enquanto existente, inclusive você mesma. Isso não significa rebeldia sem causa, mas a própria essência do existir ou não. Sua tempestade, por mais que possa parecer paradoxal, espalha cinzas e a própria Fenix não pode ser o que ela é diante do olhar de Yumi. O que perpassa a esterilidade deste mundo se conecta com cada ato e pensamento, passo e resistência de uma mulher que não só destrói, mas passa a fazer com que as coisas tenham nunca existido, por mais que elas tentem fazê-lo. Yumi é... emoção e indiferença, em proporções inconsequentes.

Como? Não sei quem está diante de mim e nem qual seria o motivo de qualquer uma das três vir a transparência dos sonhos . E por mais que questione, para mim em especial, este dado não tem importância. Qualquer uma das três completam meu cárcere, embora todas elas constituam uma só prisão. Não sei o que te levou a me visitar neste dia estranho de tempestade, sol, nuvens e lua. Mas quero te abraçar e sentir cada vez mais os seus espinhos. Qual é a graça? Não sou maluco, mas com certeza sou irritante, o que não significa que você também não seja.

Olhares.

Se você é idiota? Concordo, mas no final das contas eu também sou. Seres humanos não cabem em fotografias, e isto o seu povo esqueceu. Pensaram que televisões, carros, cinemas, poderiam ser vida e isto tudo junto não pode gerar nada mais do que rotina e marionetes, por isso já estavam mortos antes daquele momento que criou isso em que estamos. Essa é a causa de você estar aqui e a humanidade ter perecido, você é a idiota que vive e sofre, cai na lama e quebra perna. Mas tambem sonha e me envolve, e esta é causa de minha prisão, finalmente compreendi, um colecionador de sonhos só existe para aquele que vive mais do que tudo.

Apesar deste ser o seu mundo e só você viver nele (e isso tornar-la em tese a pessoa mais egocêntrica da face desta terra), o fato de me perceber é simplesmente a sua contradição. Deita um pouco no meu colo, não quero que seu corpo sofra quando acabarmos este sonho. Se você não me permitisse ser real, não haveria diferençaa entre você, seu corpo e seu mundo. Existiria apenas um maciço de matéria e insensatez. Se você fosse este amorfo de coisas, não tentaria me proteger ou se proteger daquilo que não existe, por que só existiria você.

Sinto, não é minha intenção te deixar confusa, isto não é o papel de um mero colecionador diante daquela que dorme tão calmamente ao meu lado.

Apenas não quero que deixe de sonhar e acabe com minhas correntes. Que insensatez não? Eu também não compreendo isso no meu consciente, mas compartilho essa incoerência com você, aliás, não há muita gente pra se fazer isso por aqui. Nós humanos precisamos necessariamente de um pouco de veneno. Afinal esta é a diferença entre o arremesso e vôo, apesar dos dois terem um ponto final.

Você já está indo, eu sei. Embora não exista dia neste mundo, nenhum corpo foge a domesticação de anos acordando "cedo". Espero que volte... quando tiver vontade... eu... estarei. O que é esse olhar? Por que me disse entre vocês humanos? Por que eu sinto e gosto... e se no limiar da insconstância existe, intimamente é eterno (e complexo, por certo), se está feito... é capaz impossível...

...daquele que ainda guarda um caminho no labirinto e uma chave enferrujada.

Um sonho nunca será o real, apesar de sempre acompanhá-lo no seu simples caminhar.

Colocado por Valdemiro as 6:27 PM

3 Comentario(s)

Anonymous Anônimo coloca...

As folhas que navegam na correnteza do rio são diferentes pelo simples fato de entender o curso do seu leito. Não garanto um caminho seguro, mas asseguro que destruiremos cada corpo celeste até criar um novo caminho, a ferro, fogo, rito e desejo...

23 outubro, 2005 13:15 
Anonymous Anônimo coloca...

Definitivamente, irritante. Estava certa, apesar de tudo. Irritante.

23 outubro, 2005 21:54 
Blogger André coloca...

Apesar de seu desprezo e arrogância, é você que usa grilhões, e se apega desesperadamente a cada mínima chance de existir... Um sonho não é real, você sabe disso, ams mesmo assim agarra-se a essa mínima parcela de não-existência. Mas mesmo isso é melhor que nada, concorda?

24 outubro, 2005 10:52 

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