quarta-feira, janeiro 25, 2006
Sobre as coisas que nunca falei.

Parte 2

Nunca me ensinaram a imaginar. Acreditar nas coisas sim.


Esse é o primeiro passo para o mundo. Precisa acreditar que ele existe. Como se realmente fizesse diferença não o fazê-lo. Se você sente, logo ele existe (copioso enfarte dos clássicos, numa tragédia teatral racionalista). Não há o que dúvidar desta forma. É a resposta mais convicente. Seu alicerce de tranquilidade. Você é real.

Dormi. Finalmente consegui encostar a velha carcaça de nova idade. Modernosa diria minha avó, num saque rápido de palavras. Um carcará ao meu lado. Não. Ilusão. Melhor, miragem ao calor do meu corpo. Músculos se atritando com o lençol da cama suada. Sono difícil. Sono leve. Quase vigilante. A qualquer coisa tocar, aproximar-se ou observar-me.

Não quero ser tocado. Mas eu desejo. Minha culpa. Contradição.

Teto escuro se aproxima e vira para uma porta distante. Levantar dificultoso, bem diferente do sono. Água. Muita. Pelo corpo. Esfria. Meu corpo. A água leva parte do que está em mim. Coisa ruim. Sai com a água. Mas ela é transparente. É parte de mim então? A toalha está pesada. Pesada demais para uma toalha. Pesado demais para mim. Não estou bem.

Ninguém. Não há uma alma viva. Logo hoje. O sofá está limpo. As outras camas arrumadas. A televisão desligada. A sala escura. Sem limitações, existe o ninguém. Sem alguém para ser, eu não sou alguém. Apenas me misturo com espaço e dor. A febre me aquece e a moleza torna o ar rarefeito. Tenho forças para voltar para a mesma cama suada. E desistir da calma triste que este momento me traz. Dependência. Saudade. Desespero.

Aquele momento é o encontro. Da minha desistência com a inutilidade de todos os meus atos. Precisar. Negar. Aquilo que nunca me abandonou. Meu abandono. Minha autosuficiência. Minha derrota. Minhas ruínas. Ninguém. Um grito. Um choro. Um sorriso. Loucura. Sensatez. Minha cama.

Meu sonho não será este. Não vou acreditar nas pessoas. Elas não estão nos meus delírios. Mas me visitam durante a minha mais singela imaginação.

Manhã. Meu corpo não levanta. Até que me limitem. Barulho de ônibus lotado de desejos. Saindo pela janela. Sorrindo do acaso. Esperando no ponto atrasado. Estou limitado aos homens. Serei um também? Não vou acreditar nas pessoas. Elas me tornam real.

E a realidade me toca demais.

Por ocasião do tempo, .../.../ 2017, entrego-me em teus braços.
Colocado por Valdemiro as 11:08 AM