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Ensaio sobre identidade. Nada mais além...
![]() Nunca me situei no mundo terreno. Nos dias de chuva e de raposas, as pessoas brincavam comigo assim, a muito tempo. Não foi desencanto até onde eu penso, na verdade, minha dificuldade sempre foi ter peso suficiente para não sair voando pelas esquinas, ser levado pelo vento norte (que afirmaram não mover moinhos...) e ficar de lá observando os passos, amores e bueiros das pessoas de cara desfigurada. Desde de pequeno percebi que precisava de âncoras e me agarrava a elas silenciosamente. Era difícil explicar as coisas, acompanhar os caminhos e não estar olhando para todos os lados. Superativo. Superlativo. Superintrospectivo. Nunca me situei no mundo terreno. Nos dias de nuvens e fogo no céu, as pessoas brincavam comigo assim, a muito tempo. A correria nas ruas largas, nos postes longos e predios tortuosos nunca me impressionaram, apenas colocavam o simplicidade obvia das grandiosidades humanas. E por mais que se fechassem todos eles, numa grande rebelião, durante meu sono caustrofóbico (tão império como verdade), não puderam, em um só momento desejoso, me tocar a ponto de insurgir no meu íntimo medo, receio ou dor. Desde de criança percebi que precisava dos espinhos e me feria neles incestuosamente. Era difícil sentir as coisas, conversar na volta pra casa e ter atenção ao que os outros falavam. Incontrolável. Inconformavel. Indispensável. Nunca me situei no mundo terreno. Nos dias de sombras e guerra, as pessoas brincavam comigo assim, a muito tempo. E todos os dias, a neblina da manhã não me permitia distinguir se era outono ou verdadeiro, e a luz ofuscante da lua me ensinava o caminho das folhas secas, que não se importavam de ser pisadas. Os corpos não tinham rosto, apenas ocupavam lugar morto no espaço oco em que fui colocado. Sorrisos e encantos gerados da minha carne passeavam nos corredores, mas não tinham endereço, substrato ou diferença, e logo voltavam ao grande poço. O sangue escorria no pátio, e batia nas portas das casas, reclamando o corpo do morto ou somente implorando ajuda para alguém que já não existia. Desde de um tempo percebi que precisava escrever e me entregava aos poemas e contos, para que eles cuidassem de mim. Era difícil compreender as coisas, reescrever o caminho de ida e viver como as pessoas tentavam. Indecência. Florescência. Paciência. Nunca me situei no mundo terreno. Nos dias de desejo entre luz e sombras as pessoas brincavam comigo assim, a muito tempo. E por mais que eu tentasse, elas simplesmente existiam o suficiente para não negá-las algum dia, durante a lágrima, o olhar e a timidez... Certas coisas são assim. |
4 Comentario(s)
Este é um texto antigo, que fala sobre coisas antigas.
Na verdade lembrei dele por uma conversa que tive essa semana, e embora traga poucas coisas presentes (muito poucas aliás...), não tem muita relação com meu momento atual (kawaai... eu acho, rs rs...).
Espero acabar a segunda tese sobre a superficialidade por estes tempos.
Beijos aos que me tocam.
escrevemos para distribuir o peso da existência entre palavras... ou nos serão as palavras e seus significados e sentidos e sensações que nos pesam os olhos ao acordar para o dia?
um dia tu encontra teu lugar aqui. nem que seja no colo de alguém...
beijos
P.S.: o "cara" era meu pai, minha mãe...não dava pra jogar a vela na cara deles...
Pelo menos, onde você está, o chão não se desfaz sob nossos pés, as coisas não se desmancham ao toque... Pelos menos os sonhos são mais reais que nossas vidas...
"Certas coisas são assim"? Já lhe disse... as coisas não são assim. Nós as vemos assim. Fazemos assim. Queremos assim. Aliás, querer é um verbo muito mais a sua cara do que ser...
Um beijo soprado lá de cima... rs... (prova de que eu sorrio!)
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